terça-feira, 28 de abril de 2009

Querida Rua

Eu sou muito privilegiada, pois sou testemunha do crescimento de uma criaturinha muito linda, talentosa e humilde (ela vai me matar por ter colocado tantas coisas "emóticas"). Ela tem vergonha de mim. Uma vez em uma apresentação de flauta e pandeiro na escola, eu estava lá na primeira fila, filmando e chorando. A amiguinha avisou que eu estava muito emocionada. Sabe o que ela respondeu: "ah, não liga não. Minha irmã lacrimeja muito".
A professora de redação da escola pediu para os alunos preparem um pequeno poema sobre a rua onde moram. Os melhores seriam publicados no blog da turma. Eu não vi os outros, mas tenho certeza que o da Dudinha é o melhor e merece ser publicado aqui.

Querida Rua
"Moro numa rua
Calma e tranquila
As pessoas que nela moram
não tem preocupação
Pois quando chove, não alaga
Só às vezes que há ladrão

Minha rua tem cerejeiras
que na primavera vem a florear
Debaixo delas dorme o gato
que vive a miar
As rolinhas fazem seus ninhos
O bem-te-vi canta para nos alegrar
Essa é a minha rua,
Quer vir me visitar?"
Duda Lessa

Quer ser feliz? Pergunte-me como.

Problemas todos nós temos, não é nenhuma novidade. Mas o que eu acho mais engraçado é que a solução para os nossos problemas está na ponta da língua dos outros. É impressionante, da sua mãe, passando pela manicure até um estranho do ônibus, todo mundo sabe exatamente o que você deve fazer. É um tal de dar conselho que não para. Todos têm a fórmula da felicidade alheia. Ai essa tal felicidade... ai essa tal fórmula... A fórmula da felicidade devia ser uma receita de homeopatia. Talvez seja, mas no mundo de hoje só há espaço para curas rápidas, ninguém pode sofrer por muito tempo. É uma obrigação de ser feliz tão grande que ninguém para para pensar o que é realmente felicidade. Parece ser um produto que você compra e o manual de instruções você pode encontrar em um livro de autoajuda.
Há alguns anos, ganhei de alguns amigos um livro de autoajuda. Na hora fiz cara feia, não só pela mensagem clara de que eles achavam que eu tinha sérios problemas, como a mensagem subliminar de que eu preciso de alguém que me diga o que fazer com a minha vida. Mas ao olhar com mais cuidado a capa, vi que tinha em mãos uma relíquia da literatura contemporânea e que deveria guardá-la como prova, porque contando ninguém acredita. "Esperando o amor chegar", sim um best-seller, da mesma autora de "Enquanto o amor não vem"!!! Nunca consegui abrir o livro, não sei nem se tem alguma coisa escrita. E desde que eu ganhei já vi o amor chegar; o amor ir embora; o amor me dar um bolo; o amor fazer uma visitinha rápida... Engraçado é que ele vive mudando de aparência...

Essa semana, eu estava trabalhando em uma pauta sobre depressão pós-parto com a RedeTV. A repórter - que é uma fofa - me questionou qual era o tratamento indicado pela psicóloga. Encaminhei a pergunta à especialista que me respondeu: "análise, falar sobre o problema". Me contentei, mas a repórter não. Ela precisava de dicas, de um passo-a-passo, de uma fórmula. Só análise, só falar do problema não serve. As pessoas precisam de outras pessoas que digam o que elas têm que fazer. Não há espaços para questionamentos. Tem que vir em comprimidos de preferência coloridos e gostosinhos.

Isso tudo é muito paradoxal. Vivemos em uma época em que se fala tanto de desfragmentação do indivíduo, das múltiplas identidades, da cauda longa. Ao mesmo tempo, as pessoas são fissuradas nessas coisas de 10 passos para o sucesso, O Segredo, O Monge e o Executivo, Dicas de Gestão. Fórmulas receitadas por criaturas que com certeza devem ter problemas de indentidade sérios, porque esses têm obrigação de serem felizes mais do que ninguém. Aliás, posso garantir a vocês que muitos nunca nem se leram. E eu duvido que algum deles realmente saiba sobre o que está escrevendo.

Felicidade, minha amiga às vezes um pouco distante, pode ficar tranquila que eu não acho que você seja um remédio, um produto. Não quero te prender ou consumir a qualquer custo. Pode vir, pode se abrir, só quero saber quem você é...

quarta-feira, 22 de abril de 2009

A portuguesa e o caso da cobra intrometida

Tudo bem, eu assumo que não sou uma pessoa lá muito normal, mas a minha maior loucura é atrair pessoas mais esquisitas do que eu. Ontem, fui procurar um apartamento para alugar com uma amiga. Fomos recebidas pela proprietária. Uma senhora portuguesa, de uns 70 anos, 50 vividos no Brasil e com um sotaque de quem acaba de desembarcar. Não preciso nem dizer que ela não gostou nada da ideia de alugar seu imóvel para duas jovens senhoritas.

Tentamos a todo custo fazer cara de super simpáticas e nos portarmos como boas moças (o que realmente somos). Sentamos na sala escura do apartamento vazio para conversar com a nossa candidata à senhoria. Para não termos que responder sobre nós, adotamos como estratégia entrevistar a senhora. Péssima estratégia! Perguntamos sobre as terras de além mar, e nossa entrevistada soltou uma frase de efeito: "é uma terra de muitos milagres". A senhora, de repente, se transformou em uma legítima representante da igreja luso-católica. Começou a relatar milagres e graças feitos pelas 39.657 Nossas Senhoras de Portugal. Me perdoem pela ignorância, mas para mim Nossa Senhora era só a mãe de Jesus com um manto azul.

Devo ser honesta e dizer que mais da metade da fala da querida carola eu não consegui compreender. Entretanto, a linguagem verbal foi substituída pela bela encenação dos fatos. Dentre tantos milagres, um me chamou muita atenção: o de Nossa Senhora da Lapa.

Há algumas décadas, uma jovem mãe amamentava seu filho durante a noite em uma pequena cidade rural lusitana. Quando sem que ela percebesse uma cobra, atraída pelo cheiro do leite (informação relevante: cobras adoram leite humano) entrou pela vagina da mulher. E lá o bicho ficou. No dia seguinte, a moça mão conseguia se mexer, mas já por milagre seu fígado continuava intacto (informação relevante: o fígado costuma ser o primeiro órgão que as cobras comem quando entram nas pessoas - e eu que nem sabia que cobras entravam nas pessoas, pelo menos, não no sentido literal). Ao ver seu sofrimento, a família da jovem a levou à igreja de Nossa Senhora da Lapa. Ao subir no altar, uma surpresa. A mulher vomitou a cobra que saiu em disparada e desapareceu na multidão.

Ouvi aquilo tudo incrédula e ao mesmo tempo encantada. Era muito surreal. Ainda tentei questionar alguns pontos. "Seria a cobra um verme?" Não sei porque eu fiz isso. Para que querer achar algo de verossimilhança externa em uma história que é feita para parecer irreal mesmo? Afinal, milagres não são fatos rotineiros. Me convenci e me aquetei com a resposta da senhora: "pois eu lá estava. Juro pelo meia-dúzia-de-palavras-que-não-entendi na terra e nosso Senhor Jesus Cristo no Céu". Ela disse que estava lá, eu não estava. Então, quem sou eu para duvidar se até aquele momento ignorava a existência da Nossa Senhora da Lapa? E para falar a verdade, o que vale mesmo não é o fato e sim a narrativa.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Não sabe o que quer? Deixe que o Google te diga!

Desde que eu comecei a escrever aqui, fiquei meio tentada a entrar nessa história de gerar receita e ter links patrocinados. Só que olhando bem, esse negócio é a maior invasão de privacidade que existe. Eu não faço parte do grupo dos apocalípticos, tenho até uma visão bem romântica sobre a Internet. Só que o Google está indo longe demais, entrou numa onda de ser Freud e tentar descobrir quais são os nossos desejos mais íntimos. Em um programa muito complexo de cruzamento de dados, o Grande Deus Virtual começa a nos interpretar. Ele nada esquece e tudo vê. Todas as nossas conversas, nossos passos – até aqueles dados por descuido, um site digitado errado como se fosse um ato falho – Ele grava. E acredite, no momento, propício Ele usará contra você.


Sinto dizer ao Senhor Google, a mente humana é muito mais complexa do que qualquer programa de computador. Por mais que sejamos parecidos e coisas parecidas aconteçam com todos nós, somos tão diferentes que cada caso é um caso inédito de verdade. Outro dia, por exemplo, estava fazendo confidências sobre minha vida afetiva a algumas amigas pelo Gmail (uma espécie de correio direto com o Grande Senhor que tudo vê). Quando olho para os lados, o que vejo? Uma chuva de links patrocinados de sites de relacionamento me oferecendo homens perfeitos, namoros sérios! Tinha um que, no melhor estilo Organizações Tabajaras, me questionava se eu já estava cansada de ficar sozinha.


Eu fiquei imaginando, por alguns segundos, um monte de Lumpa-lumpas, que ficam dentro do computador lendo as minhas mensagens, falando entre si: “ih, essa daí levou um pé na bunda. Deve estar louca para arrumar um homem”. Tenho uma coisa a dizer a esses fofoqueiros virtuais: eu não estou encalhada não, viu!! Quem foi que disse que eu sou sozinha para já estar cansada de ficar sozinha? E tenho mais a dizer, eu sou tão ótima companhia que até sozinha eu estou muito bem. É impressionante, a pessoa não pode ficar nem um dia sem namorado que o povo já acha que tem que arranjar logo outro. Será que eu não tenho direito de curtir uma leve dor de cotovelo em paz? Tudo tem limite, hein... Daqui a pouco o Google vai anunciar “Trago a pessoa amada em três dias com espaço ilimitado e um sistema de busca incomparável que ainda vai adivinhar tudo o que você deseja”! (Até que não seria tão má ideia)...

domingo, 19 de abril de 2009

Os astros não mentem se você não mentir

Eu confesso, eu leio horóscopo quase todos os dias. E ainda leio aquele do jornal. É lógico que eu sei como funciona esse esquema de horóscopo em jornal. Colocam um jornalista qualquer, quase que de castigo, para escrever qualquer coisa. Mas eu não me importo. Não importa o que seja e nem importa o que diga. Preciso só de alguém que me diga o que eu estou sentindo. E eu sinto tanta coisa que algum sentimento esse desconhecido, que nem olhou para cima para ver em que lua estamos, vai saber direitinho o que se passa na minha vida.

Ainda tem outro ponto. Se as palavras têm poder, a interpretação tem muito mais. As palavras que descrevem a minha sorte do dia são apenas a materialização dos meus desejos. Aí fica perfeito, tudo se encaixa: “não é que os astros disseram exatamente como eu estou me sentindo”.

Outro dia, meu horóscopo – essa entidade superior formada em jornalismo – disse para eu começar a perceber meu corpo e tomar cuidado com a alimentação ou sofreria as consequências. Achei um pouco demais e comecei a pensar até onde vai a criatividade dos publicitários. Sim, porque aquilo só podia ser patrocínio de alguma indústria de papel higiênico. Resolvi desafiar os astros. Comi batata-frita cheia de queijo, um sanduíche de rosbife cretino e uma bela caipirinha de maracujá com hortelã. Descobri: os astros não mentem jamais!

Entretanto, comecei a ficar preocupada mesmo com essa minha leve fixação quando passei a ler o horóscopo dos outros também. Uma coisa é ler e interpretar para sua vida com os seus sentimentos; outra é ler e interpretar a vida do outro com os sentimentos do outro a partir da sua vida e dos seus sentimentos. Meio confuso, né?... pois é assim mesmo que eu ando me sentindo. Mas o que eu posso fazer se eu não consigo saber o que se passa dentro do outro, se eu não posso perguntar e se eu perguntar, quem me garante que é verdade? Minha melhor resposta no momento é: o Horóscopo.

Já me disseram que de nada adianta o horóscopo dizer o que está se passando com você, se ele não mostra o caminho, não dá a solução. É um ponto a se pensar, mas não ando muito preocupada com isso no momento. Por agora, só quero um cúmplice, alguém que saiba como eu realmente me sinto, uma entidade que de tão longe está tão perto, algo que por ser tão eu é tão transcendente. Alguém que me diga que isso tudo vai passar logo...